Laura Belém

Bolsa FUNARTE de Estímulo à Produção em Artes Visuais

Instalação: a obra de arte e suas relações com o lugar e a paisagem

Esta revista é parte integrante da investigação desenvolvida pela artista Laura Belém durante a Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais, edital 2012. A pesquisa destinou-se à criação no campo da Instalação, desenvolvida entre abril e outubro de 2013. Explorou-se as relações com a cidade, a paisagem e o entorno.

O projeto não contempla a realização de exposições; seu enfoque está no processo de criação, na experimentação de linguagens e na produção plástica. Esta revista digital, bem como uma palestra proferida por Laura Belém em 03 de outubro de 2013, no auditório da Escola Guignard / UEMG, em Belo Horizonte, têm por objetivos apresentar ao público o trabalho desenvolvido durante a Bolsa, e também fomentar a reflexão e o debate nas artes visuais. Espera-se, por esses meios, contribuir para uma aproximação entre a artista e o público, tornando acessíveis os processos de experimentação e de construção dos trabalhos, e assim diminuir as fronteiras e resistências ainda presentes na arte contemporânea.

Laura Belém

Bolsa FUNARTE de Estímulo à Produção em Artes Visuais

Instalação: a obra de arte e suas relações com o lugar e a paisagem

A revista apresenta primeiramente uma reflexão geral da artista a respeito do processo de trabalho da Bolsa. Na seqüência encontram-se depoimentos sobre cada trabalho criado e as respectivas imagens ilustrativas. O depoimentos – divididos de acordo com os meses de criação - privilegiam o processo e as experimentações feitas por Laura na concepção de cada trabalho, num formato que se assemelha a um caderno de anotações.

Por se tratar de uma investigação no campo da Instalação e do site-specific, cada trabalho só se conclui totalmente quando instalado no espaço expositivo, pois sua configuração depende grandemente das características físicas de cada galeria ou espaço público em particular. Nesse sentido, as imagens que vemos aqui documentam trabalhos montados em atelier, e portanto ainda em processo.

Laura Belém

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Reflexões sobre o processo de trabalho
Período: 16 de abril a 03 de outubro de 2013

É possível reinventar a relação com a cidade onde nasci e vivi a maior parte da minha vida? Encontrar um novo modo de ser e estar, aqui e agora? Tomo a arte como o instrumento para essa reinvenção do olhar e da percepção - arte como potência de vida, como essência e força motriz do ser humano.

As instalações e o site-specific me permitem construir relações íntimas com o espaço e com o lugar, criando diálogos ao mesmo tempo permeados de abertura e liberdade. Entre uma e outra produção, exposição e leitura, percebo que hoje em dia a questão central da instalação não é mais a da extensão dos limites do atelier, nem da desmaterialização da obra de arte, e nem mesmo do questionamento mercadológico, ainda que perpasse essas esferas. O seu eixo situa-se hoje na forma peculiar do encontro possibilitado por esse tipo de arte. Um tipo de encontro que envolve os vários sentidos. Sua experiência imprimi uma marca fluida, que não se prende a um tempo e a um espaço, ainda que advenha de uma relação estreita com esses elementos.

Laura Belém

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Reflexões sobre o processo de trabalho
Período: 16 de abril a 03 de outubro de 2013

Busco a arte do encontro, a arte das possibilidades, e percebo que reside aí a alma do trabalho de instalação que venho desenvolvendo ao longo de doze anos. Possibilidade de uma imersão diferenciada, de uma experiência para além da contemplação, possibilidade de uma transformação do sujeito. O artista é um indivíduo que não se satisfaz a não ser criando um mundo novo e afastando-se de todo trivialismo.

Num trabalho de instalação, o acaso e os imprevistos muitas vezes representam desafios, pois o espaço real traz suas vontades e dimensões próprias. Dimensões físicas mas também culturais, sociológicas, históricas, institucionais e espirituais... Talvez a potência da reinvenção resida justamente no imprevisto e na capacidade de se produzir, a partir daí, um novo encontro com o local e com o público, onde a arte revela a sua dimensão social. Essa dimensão não necessariamente se traduz como ‘serviço social’, ‘contrapartida social’, ou ‘trabalho social’. Sem negar essas plataformas de atuação, o trabalho de arte ou o processo criativo, uma vez levados à esfera pública, assumem um papel social, pois revelam o olhar de um indivíduo que é parte de uma sociedade e de um tempo, e que como tal vem para instigar ou questionar valores e percepções da sua sociedade e do seu tempo.

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Reflexões sobre o processo de trabalho
Período: 16 de abril a 03 de outubro de 2013

Ao longo desta Bolsa, me deparei com o livro “A arte do ponto de vista sociológico”, de Jean-Marie Guyau, que me permitiu aprofundar a compreensão sobre o caráter social da arte. Destaco uma pequena passagem do livro que vem ao encontro da minha intenção como artista:

a emoção artística é essencialmente social. Ela tem como resultado ampliar a vida individual, fazendo com que ela se confunda com uma vida mais ampla e universal. A finalidade mais elevada da arte é produzir uma emoção artística de caráter social.1

  1. GUYAY, Jean-Marie. A arte do ponto de vista sociológico. São Paulo: Martins, 2009. P. 104.

Laura Belém

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Abril a setembro de 2013 – Réquiem

Durante viagem a Portugal em abril de 2013, visitei uma região de atividade mineradora no Alentejo. Na cidade de Aljustrel, encontrei o seguinte o diagrama ao lado, que era antigamente utilizado como guia para uma sinalização sonora nas minas:

Os sinais sonoros provenientes da leitura desse “mapa” serviam para guiar as jaulas ou elevadores subterrâneos nas antigas minerações da região. O documento estava acompanhado da seguinte informação: “para descer ou subir a jaula, havia um sistema de sinais sonoros que indicavam o movimento e lugar de paragem da jaula. A audição difícil desses sinais deu origem a muitos desastres.”2

De volta ao Brasil, entreguei essa imagem ao músico Charles Augusto Braga e lhe pedi para compor uma peça sonora com base na leitura desses sinais gráficos. Pedi a ele para tomar a imagem como uma partitura musical. Charles aceitou o meu convite para trabalhar na criação de uma música eletrônica com mescla de performance de instrumentos de percussão, e para isso ele considerou as dez estruturas gráficas desse Mapa de Sinais. Levamos em conta a origem do documento e as suas possíveis implicações simbólicas e sociais.

  1. Informação proveniente do Museu da Mineração, na cidade de Aljustrel, Portugal.

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Abril a setembro de 2013 – Réquiem

O título “Réquiem” surgiu ao longo da concepção da trilha sonora, durante uma conversa com o artista e fotógrafo Marcelo M Figueiredo, ao refletirmos sobre as implicações do trabalho nas minas. O conceito foi aprimorado em conversa que se deu na seqüência com Charles Augusto: “Réquiem” falaria do trabalho noturno e ‘invisível’ realizado nas minas e traduziria também a ambigüidade desse tipo de atividade. Ficou decidido ainda que a apresentação da música “Réquiem” se daria num espaço escuro, numa sala com as luzes totalmente apagadas. E que ela poderia ter duas versões: uma como faixa de áudio, e outra como performance musical ao vivo, num ambiente em penumbra.

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Abril a setembro de 2013 – Réquiem

Uma vez finalizada, a composição sonora me inspirou um desdobramento do trabalho, agora na forma de instalação. Abaixo vemos imagens da maquete.

Laura Belém

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Abril de 2013 – Réquiem

A instalação “Réquiem” consiste numa sala com todas as paredes e teto cobertos por terra de minério de ferro. No teto, ao centro da sala, há uma abertura circular por onde entra a luz do sol. Esta é a única fonte de iluminação da sala e, por se tratar de luz natural, há uma variação durante o dia, conforme a posição do sol. Uma plataforma falsa permite que o áudio seja instalado por debaixo do piso. O áudio, com duração total de 7’37”, é tocado de hora em hora dentro da sala, sinalizando, assim, uma lembrança ou marcação temporal. Desta forma, ao adentrar o trabalho em horas ‘partidas’ (ex. 10:20h, 14:15h, 16:32h, etc), o espectador tem a experiência da sala vazia e silenciosa, onde faz-se presente apenas o minério de ferro e a luz do sol. Ao adentrá-lo em horas exatas (ex: 10h, 14h, 16h, etc), ele tem também a escuta da peça sonora.

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Abril a setembro de 2013 – Réquiem

Cabe aqui transcrever um depoimento pessoal concedido ao crítico Rafael Vogt Maia Rosa, em 2012, a respeito da utilização do elemento sonoro:

Em minhas instalações, senti que o som poderia ser uma ferramenta para explorar estados psicológicos e de conexão com a memória, a imaginação e a fantasia. É também um elemento para suscitar deslocamentos temporais. Utilizado de forma a sugerir narrativas (lineares ou não), o som instiga à construção imagética. E ao mesmo tempo conecta o indivíduo ao espaço de uma forma diferente daquela que se dá pelo sentido da visão. O som permeia a tudo, o silêncio absoluto não existe. Quando utilizado nas artes plásticas, pode contribuir para um envolvimento do espectador com a obra de uma forma mais abrangente ou descentralizada da experiência retiniana. O som modela o espaço quando utilizado em vários canais, promove uma relação corpórea com o espectador, e modifica a sua percepção de um lugar.3

  1. Catálogo do Prêmio CNI SESI Marcantonio Vilaça Artes Plásticas 2011-12. Serviço Social da Indústria/ Confederação Nacional da Indústria: Brasília, 2012. P.47.

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Maio a setembro de 2013 – A Ilha

Caminho pelo Parque Municipal, no centro de Belo Horizonte. Busco surpresas nesse lugar já conhecido e assimilado. As surpresas estariam no parque ou em meu olhar? A caminhada se revela como um recorte de escolhas. Escolho observar o encontro da água com a arquitetura. Primeiro, uma espécie de jardim de plantas aquáticas que se encontra vazio, organicamente projetado.

Um pouco mais adiante, encontro uma espécie de ilha construída dentro de um lago. Passo por um lago navegável onde há barcos para aluguel e passeio, e ali outra ilha e uma fonte ao centro se contrapõem à arquitetura da cidade ao fundo.

Caminhando mais um pouco, me deparo com uma forma de construção semelhante a um coreto, localizada no meio do lago. Observo o reflexo dessa forma arquitetônica solitária na água. Ao fim da minha caminhada, já buscando a saída do parque, encontro uma pérgola, que capta a minha atenção por seu desenho e extensão, e então resolvo fotografá-la.

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Maio a setembro de 2013 – A Ilha

Com todas essas imagens em mente, começo a imaginar uma marquise – um dos elementos mais característicos da arquitetura moderna brasileira, muito utilizado para propiciar abrigo ao sol e ao calor – colocada dentro de uma sala com água. Destituída de sua função, tal marquise se assemelharia a uma ilha. Há ainda a lembrança da Casa do Baile, ou do próprio edifício onde resido, com sua marquise de estilo modernista. Assim surge o trabalho “A Ilha”.

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Maio a setembro de 2013 – A Ilha

Montagem do trabalho em atelier

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Junho de 2013 – Folguedo

O interesse que manifestamos por uma obra de arte é a conseqüência de uma associação entre nós, o artista e os personagens da obra; é uma nova sociedade, da qual abraçamos as afeições, os prazeres e os sofrimentos, a sorte por inteiro. Por fim, a ficção vem somente à expressão para multiplicar ao infinito a potência contagiante das emoções e dos pensamentos.4

“Folguedo” foi criado a partir da experimentação com papéis de seda de diversas cores, dobrados e cortados com o intuito de se produzir formas geométricas vazadas de diferentes tamanhos e características. Essas folhas foram então abertas e dependuradas verticalmente por fios de nylon, a fim de se formar um grande bloco ou ambiente. O título significa “ato de folgar, brincadeira, divertimento, pândega.”

  1. GUYAY, Jean-Marie. A arte do ponto de vista sociológico. São Paulo: Martins, 2009. P. 101.

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Junho de 2013 – Folguedo

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Junho de 2013 – Folguedo

Toda obra de arte reserva características que só podem ser apreendidas através de um contato ao vivo. Em “Folguedo”, surpreendeu-me o silêncio do trabalho, presente até mesmo no movimento e no sutil farfalhar dos papéis de seda. Jean-Marie Guyau escreveu: “A arquitetura é a arte de introduzir movimento nas coisas inertes; construir é animar.”5 E ainda: “Ser artista é ver segundo uma perspectiva e, conseqüentemente, ter um centro de perspectiva interior e original (...).”6

A arquitetura proposta por esse trabalho é a de um espaço fluido, por onde o olhar atravessa, o corpo se movimenta e são introduzidas novas perspectivas e surpresas. A intenção foi extrair significado de um material simples e corriqueiro, comumente relacionado a festividades em várias culturas; explorar a sua leveza e a composição através das cores, da sobreposição da folhas, do atravessamento de luz e das sombras projetadas.

  1. GUYAY, Jean-Marie. A arte do ponto de vista sociológico. São Paulo: Martins, 2009. P. 102.
  2. 6 IDEM, pg. 198.

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Junho de 2013 – Folguedo

Recordo-me também da Dança Contemporânea e creio que a experiência advinda desses dois campos artísticos – teatro de bonecos e dança – refletiu-se de maneira indireta em minha produção plásticas nas artes visuais. Pois a experiência da Instalação requer a participação do corpo e não apenas do olhar; estão presentes o movimento e a ocupação espacial, a distribuição dos elementos e sua organização, e estas são estruturas formadoras do esqueleto do trabalho. A obra se conclui com a intenção de se animar – dar nova forma, vida e/ou conferir novas camadas de significado - àquilo que poderia ser familiar ou trivial. Numa Instalação, quem são os personagens e onde está o palco? Ele se confunde com vida e ao mesmo tempo a reinventa.

“Folguedo” encontra ressonâncias em trabalhos meus anteriores, como “Noite de São João” (2007) e “Do Nascer ao Por do Sol” (2013).

Laura Belém. Noite de São João.
Nuit Blanche Festival, Toronto, Canadá, 2007. Foto: Michael Mitchener.
Laura Belém. Do Nascer ao Por do Sol.
Prêmio CNI SESI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas. Palácio das Artes,
Belo Horizonte, 2013.
Foto: Nelson Kon.

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Agosto a setembro de 2013 _ Casa do Relógio de Sol

Ao sair de uma visita à Casa do Baile, na Pampulha, deparei-me com uma praça situada numa bifurcação de ruas. Chamou-se a atenção o seu paisagismo peculiar, cujo abandono atesta para um mal aproveitamento ou funcionamento desse espaço público. Uma composição arquitetônica vazada e sem telhados ocupa grande parte dessa praça.

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Agosto a setembro de 2013 _ Casa do Relógio de Sol

Ela me lembrou uma intervenção realizada por mim em novembro de 2012, na cidade de Maceió. Intitulei essa intervenção de “A Casa Desconhecida”. O trabalho consistiu em cinco molduras de janelas presas a suportes de metal, dispostas numa praça pública no centro histórico de Maceió, numa ocupação espacial que lembra a configuração de uma casa. A região onde foi instalada a obra, atrás do imponente edifício da Associação Comercial, é hoje um local abandonado.

Laura Belém, “A Casa Desconhecida”, 2012. Molduras de janelas e suportes de metal. Vista do trabalho em Maceió, Prêmio CNI SESI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas - 4a edição. Fotos: Laura Belém e Nelson Kon (última imagem à direita).

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Agosto a setembro de 2013 _ Casa do Relógio de Sol

A partir daí, criei um projeto para intervenção na praça da Pampulha – trata-se de cobrir as janelas vazadas com painéis de acrílico coloridos e transparentes, transformando a casa num grande relógio de sol. As imagens a seguir são uma simulação do trabalho, uma vez que a intervenção no espaço público ainda será negociada com a Regional Pampulha, após reforma da praça.

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Agradecimentos especiais

A artista agradece à FUNARTE e ao Ministério da Cultura.

Agradecimentos são também devidos a

Marcelo M Figueiredo, Charles Augusto Braga Leandro, Lúcia Nemer, Martuse e equipe, Escola Guignard / UEMG, Paula Fortuna, Maíra Cabral, Alexis Azevedo e Samuel Martins.

Fotografia:

Laura Belém e Marcelo M Figueiredo.